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O boi e o enterro

Em cidade do interior, todo mundo se conhece. E cada acontecimento é um evento, pois mesmo sem divulgação, todo mundo fica sabendo. Porque no interior, funciona o mais antigo e famoso meio de comunicação: a propaganda boca a boca. Nas boas e nas más ocasiões, a notícia corre solta. Quando morre alguém então, os fofoqueiros de plantão se apressam em passar a notícia adiante. Um filho da terra, cidadão comum, “bateu as botas” como se diz no linguajar popular, de repente. Infarto fulminante, aos 35 anos.

 

Depois do velório na casa da viúva, o cortejo seguia em ritmo lento em direção ao cemitério, mais afastado da cidade. Na metade do percurso, ouviu-se um grito: corram que eu boi tá solto e esse boi é brabo. Muita gente olhando para trás, de onde vinha a voz do vaqueiro e, também, um boi desembestado para cima da multidão. Foi um corre-corre medonho. Corria gente para todos os lados e onde tivesse uma casa aberta o povo invadia. Só ficaram na estrada os quatro homens que seguravam o caixão tentando correr juntos. Como não funcionou e o boi se aproximava, os quatro largaram o caixão, que ficou no meio da rua, empoeirado e a mercê do boi no meio de tanta confusão.

 

As casas dos moradores no entorno do cemitério foram "invadidas" pelo povo que ia para o enterro e fugia da perseguição do boi! Só depois que o animal desembestado e a boiada passaram, metade do povo que seguia o cortejo começou a voltar. Nos rostos ainda assustados, um misto de desconfiança e dificuldade para prender o riso. Os quatro homens que largaram o caixão voltaram a segurá-lo, cabisbaixos e meio envergonhados da covardia da fuga. Outras pessoas retomaram a caminhada rumo ao cemitério, mas ainda assustadas.

 

Uma criança que, no meio da confusão, havia invadido a casa de uma moradora do lugar junto com uma prima já adulta, também voltou, mas não parava de rir porque se lembrava da correria e do alvoroço para fugir do boi. E o defunto, coitado, largado no meio da rua...ela começava a gargalhar!. Tentava ficar séria, mas não conseguia. A prima lhe beliscava e repetia: pare de rir, você está num enterro! A menina, sem conseguir conter o riso, foi expulsa do cortejo pela viúva, que enterrou seu defunto sabendo que nunca naquela cidade havia ocorrido um enterro tão inusitado.

(Texto – Eliana Custódio)

@elianacustodiojornalista

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Eliana Custódio
Enviado por Eliana Custódio em 08/08/2024
Alterado em 08/08/2024
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